Episodios

  • Que histórias ainda não ousámos contar? Filipa Martins
    May 21 2025
    Filipa Martins esteve na Ucrânia em plena guerra. Decidiu lá ir, há poucas semanas. Dormiu num bunker, ouviu sirenes de bombardeamento, escreveu com o corpo em sobressalto e regressou com uma história para contar. É a partir dessa experiência — descrita num texto publicado na revista Visão — que começa esta conversa, mas o que se segue vai muito além da crónica de uma viagem a um país em conflito. Filipa Martins é escritora, jornalista e argumentista. Publicou romances, ensaios, argumentos televisivos e, até uma biografia: O Dever de Deslumbrar, dedicada à vida e à obra de Natália Correia — um projeto de seis anos de investigação e escrita, que reconstitui o percurso de uma das figuras mais complexas e livres da cultura portuguesa do século XX. Neste episódio do Pergunta Simples, Filipa Martins fala sobre tudo isso: o processo criativo, o método, as viagens, os limites da exposição pessoal na escrita, sobre a responsabilidade de narrar vidas reais, nas biografias.. Mas fala também — e com contundência — sobre o estado da democracia, o espaço das mulheres na cultura e na sociedade, e o modo como certos retrocessos se tornam visíveis nas estatísticas, nos discursos, e até nos algoritmos das redes sociais. Ela assinou o argumento das séries Três Mulheres e Mulheres às Armas, onde a ficção histórica serve como espaço de reconstrução de memórias silenciadas — em particular, as histórias de mulheres que tiveram um papel ativo em momentos decisivos da história portuguesa, mas que a narrativa oficial nunca destacou. Na conversa, há espaço para o rigor e para a emoção. A autora explica por que razão sente necessidade de “palmilhar” o território antes de escrever — uma herança do jornalismo que molda a sua literatura. Explica também por que razão vê a escrita como um gesto de observação e de resistência — mesmo quando isso significa abrir feridas ou reescrever memórias difíceis. Falamos das notas tiradas em viagem, da organização caótica dos cadernos perdidos, da vida doméstica retratada nas redes, da romantização dos papéis tradicionais, do papel do medo e da intimidade na criação literária. Filipa Martins está, presentemente, a terminar o seu próximo romance. Não é autobiográfico, diz — mas é, até agora, o mais pessoal. Um livro que volta à memória, à linhagem feminina e às marcas que se herdam. Esta conversa é sobre tudo isto. Sobre escutar, observar e transformar o que se vive — em literatura, em pensamento, em matéria para não esquecer. LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO 00:00:00:00 - 00:00:03:06 Filipa Martins, Jornalista, escritora. 00:00:03:06 - 00:00:11:04 Imagino que agora te sintas mais escritora do que jornalista. Um sim, mas um género com. 00:00:11:06 - 00:00:38:06 Esta conversa que é quase uma conversa de karma, porque a primeira vez que nós tentamos, ainda na nossa santa ignorância, descobrimos que não havia luz. Na verdade, houve um apagão ibérico, na verdade mais do que ibérico, certo? Creio que esta luz não diz tudo, ainda mais sabendo que falar contigo era um enorme gosto. Mas só hoje de manhã, sabendo que vinha cá hoje na rádio, eu estava a temer que houvesse outro cataclismo que nos separasse. 00:00:38:07 - 00:01:11:01 E aí passávamos então a ser banco. Como é que tu vives? Tu paga um. Olha, na verdade foi muito agradável. Eu sei que houve situações muito complexas, mas a minha versão dos acontecimentos foi foi, foi bastante simpática. Encontrei amigos por acaso na rua, que é uma coisa absolutamente estranha em Lisboa, quase como aquela que os encontros casuais da aldeia e de repente se combinamos juntar crianças. 00:01:11:03 - 00:01:34:14 Então passámos um serão. Tivemos também a sorte de ser uma altura do ano em que em que a noite chegou bastante tarde, portanto, e até às 08h30 tivemos o lusco fusco, vendo os fusco, as crianças a subirem, encher as casas com lanternas e a brincarem com a fazer sombras chinesas na parede. Portanto,
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    54 m
  • Estamos a ouvir verdadeiramente os adolescentes? Tânia Gaspar
    May 14 2025
    Está tudo à beira de um ataque de nervos. Adolescentes, pais, professores. Já repararam que quase ninguém anda feliz com a vida que leva? Pode ser uma mera perceção minha. Mas há já múltiplos estudos que evidenciam sintomas de que o nosso bem-estar está abalado. E ninguém parece saber a receita para reequilibrar isto. Decidi assim ir em busca de respostas, com Tania Gaspar, psicóloga clínica, autora e coordenadora de múltiplos estudos sobre a saúde mental dos jovens ou o bem-estar dos pais, enquanto trabalhadores. E os resultados não são nada animadores. A saúde mental dos jovens em Portugal está sob uma pressão silenciosa, mas cada vez mais evidente. Apesar de viverem numa era de oportunidades aparentemente infinitas, muitos jovens sentem-se perdidos, sobrecarregados e emocionalmente fragilizados. Na nossa conversa Um dos temas que mais destacou foi o sistema educativo e a sua incapacidade de apoiar os alunos mais vulneráveis. Para Tânia Gaspar, a escola tornou-se um ambiente que, em vez de promover crescimento, muitas vezes contribui para o aumento da ansiedade e do insucesso. Este ciclo de exclusão começa cedo e afeta, sobretudo, os jovens de contextos socioeconómicos mais frágeis. Sem suporte emocional e estratégias de recuperação, muitos acabam por abandonar os estudos. A pandemia veio agravar estas dificuldades. As crianças que estavam no 1.º e 2.º anos durante o confinamento sofreram um corte drástico no desenvolvimento das suas competências básicas. Um estudo piloto conduzido pela equipa de Tânia Gaspar em escolas públicas demonstrou que, com intervenção personalizada e apoio emocional, grande parte dos alunos conseguiu recuperar a literacia e as competências sociais. Será que estamos a perceber os sinais? Os jovens estão emocionalmente mais frágeis. Tânia Gaspar descreve um cenário preocupante, onde as expressões emocionais muitas vezes se manifestam através de comportamentos disruptivos — agitação, agressividade ou, no extremo oposto, retração silenciosa. Estes comportamentos são frequentemente interpretados como problemas de disciplina, mas podem esconder questões emocionais profundas. O ambiente escolar, em vez de integrar essas crianças, tende a isolá-las, criando um ciclo de exclusão e retração emocional. E depois há a família. A família é um dos pilares fundamentais para o equilíbrio emocional dos jovens. No entanto, Tânia Gaspar reconhece que nem sempre existe um acompanhamento adequado. Cito uma frase que podem ouvir a seguir: “Os pais estão exaustos, sobrecarregados com o trabalho, e isso reflete-se na capacidade de ouvir e apoiar os filhos” Para a psicóloga, é urgente investir em literacia parental, para os pais compreenderem melhor os ciclos de desenvolvimento e os desafios específicos de cada idade. Ser jovem acabadinho de entrar no mercado é uma carga de trabalhos. A transição para o mercado de trabalho tem sido marcada por um misto de incerteza económica e falta de propósito. Muitos jovens sentem-se pressionados a encontrar um rumo rápido, sem espaço para experimentar ou errar. Vale aprender um conceito que se está a tornar comum entre os jovens trabalhadores: o "boreout" — o tédio crónico associado à falta de estímulo no trabalho. Além disso, muitos jovens rejeitam o modelo tradicional de carreira. Para esta geração, a ideia de escola-universidade-emprego desaparece, dando lugar a trajetórias mais fluidas, onde o propósito e o equilíbrio emocional ganham destaque. Obviamente é essencial preparar melhor os jovens para os desafios da vida adulta, promovendo resiliência emocional e literacia em saúde mental. Tania Gaspar é psicóloga e mãe de adolescentes. E observa de forma muito atento que se passa na escola dos nossos tempos. E o correr bem ou mal depende muitas vezes das condições da vida familiar e doméstica. LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO 00:00:36:14 - 00:01:07:20 Fazer isso, porque olha, já temos os bombeiros,
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    1 h y 8 m
  • O que se faz na primeira hora de uma crise? Mariana Victorino
    May 7 2025
    Na segunda-feira em que Portugal ficou sem eletricidade durante várias horas, muitos portugueses fizeram a mesma pergunta: “O que se passa?” E ficaram sem resposta. Sem redes sociais, sem tv, sem telemóvel. Sobrou a rádio. Sempre no ar. A velhinha rádio provou que está pronta para responder à emergência. E isso é uma boa notícia. A crise desta segunda-feira tem uma vertente técnica, sobre o que aconteceu, como se recuperou e como se previne o futuro. E outra, mais importante para o programa, de comunicação. Como se comunica durante um evento inesperado e com potencial para provocar disrupção. O apagão iluminou vulnerabilidades, como sempre acontece nas crises., mas também nos oferece um ponto de partida: como se deve comunicar quando acontece o inesperado? Que papel têm os líderes, as empresas e os media? E o que significa, afinal, estar preparado para uma crise? Convidei a especialista em comunicação de crise Mariana Victorino, professora na Universidade Católica, que lembra: “A crise não começa quando algo corre mal. Começa quando ninguém sabe o que dizer.” Uma crise não é somente um problema técnico. É um momento de exceção, onde há risco para a segurança, para a reputação ou para a confiança numa organização ou país. Pode ser um apagão, um acidente, uma falha grave de serviço ou até uma polémica pública. E numa crise, o tempo conta. Há uma ideia chave em comunicação de crise: a golden hour - a hora de ouro — a primeira hora. É nesse intervalo que se decide muito do que virá depois: a confiança, a perceção pública, o tom da resposta. Para Mariana Victorino, há três ingredientes essenciais para qualquer resposta inicial: 1. Reconhecer o problema — mesmo sem admitir culpa;2. Expressar empatia — sobretudo se houver pessoas afetadas;3. Explicar o que está a ser feito — mesmo que seja apenas “estamos a recolher informação”. Quem deve comunicar? Depende. Mas alguém deve. A comunicação de crise exige que haja uma estrutura definida, com papéis claros: quem decide, quem coordena, quem comunica. Idealmente, o líder toma decisões e pode ser a cara pública em momentos-chave. Mas a figura do porta-voz — preparado, humano, credível — é central. Esse porta-voz deve conhecer os media, os públicos, os canais. E deve conseguir manter a calma, reconhecer a realidade e inspirar confiança. Fundamental é a preparação previa. Preparar antes, agir durante, aprender depois. A comunicação de crise começa muito antes da crise. Implica treino, simulações, planos escritos e revistos, mensagens preparadas para diferentes cenários — e sobretudo uma cultura de responsabilidade e transparência. Também é importante saber onde e como comunicar. Durante o apagão, por exemplo, muitos canais digitais falharam — mas a rádio manteve-se no ar. Era aqui que se se poderia ter investido mais. E depois da crise? Avaliar. Aprender. Ajustar procedimentos. E comunicar também a recuperação. A boa notícia: é possível fazer melhor A conversa com Mariana Victorino é clara: não é preciso adivinhar o futuro. Mas é preciso treinar o presente: preparar equipas, alinhar mensagens, construir confiança com o público — antes que a crise nos obrigue a improvisar. E é possível fazê-lo bem. E aproveitar a luz para prevenir a sombra. Talvez este apagão, que durou entre o pico da do meio-dia até ao fim da hora do busco fusco , tenha vindo para nos avisar que temos de estar preparados e de comunicar melhor. Principalmente quando algo corre mal. LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO 00:00:00:00 - 00:00:02:14 Viva Mariana Vitorino! 00:00:02:14 - 00:00:40:13 Possa tentar que, como uma especialista em crises, acho que sim. Essa Santa Bárbara bom formalmente doutorada em Ciências da Comunicação Pública Católica Portuguesa e professora na Faculdade de Ciências Humanas, especialista em Comunicação Estratégica e em Comunicação de Crise. Ligam me muitas vezes quando quando estão em dificuldades.
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    49 m
  • Como se escuta um país em campanha eleitoral? António Gomes
    Apr 30 2025
    Se há algo que não falta durante uma campanha eleitoral… são sondagens. Diariamente somos bombardeados com gráficos, percentagens, setas para cima, setas para baixo, empates técnicos, surpresas, coligações imaginadas e quedas espetaculares. A cada novo estudo, há quem se entusiasme e quem duvide. Quem diga “isto confirma o que eu já sabia” e quem desconfie: “isto tem dedo de alguém”. Mas afinal… como se fazem as sondagens? Como se escolhe quem é ouvido? Como se garante que aquilo que nos mostram é mesmo o que o país pensa? E, mais importante ainda: o que as pessoas respondem… quando alguém lhes pergunta? Neste episódio do Pergunta Simples, vou procurar respostas com quem sabe. António Gomes, diretor-geral da GfK Metris e uma das pessoas que melhor conhece os bastidores da opinião pública em Portugal. Há mais de 30 anos que António lidera equipas que estudam o que pensamos, o que desejamos, do que temos medo. Faz sondagens eleitorais, estudos de mercado, inquéritos qualitativos e quantitativos. E já viu de tudo: vitórias inesperadas, derrotas mal digeridas, candidatos ofendidos com os dados, e eleitores a esconder aquilo que verdadeiramente pensam. Nesta conversa falámos de tudo isso — com a calma de quem já passou por muitas campanhas e com o humor de quem sabe que, na política, nem sempre a lógica vence. Começámos pelo princípio: como se faz uma sondagem séria? António explicou-nos os diferentes métodos de recolha — por telefone, presencial, ‘online’ — e a ciência por detrás da construção de uma amostra representativa. Falámos de margens de erro, de amostras estratificadas, de critérios técnicos que, para o público, são muitas vezes invisíveis. E falámos do que acontece quando, apesar de tudo isso, a sondagem falha. Falámos de erros estatísticos. Mas falámos, sobretudo, de erros humanos. Das recusas. Das portas que não se abrem. Dos estratos difíceis de preencher. E das situações em que, por mais que se controle sexo, idade e região, saindo da amostra é… uma surpresa. Uma dessas histórias inclui um ‘fax’, uma jornalista célebre de televisão, um resultado inesperado e um telefonema a dizer: “Isto só pode estar errado”. Mas estava certo. Ou, pelo menos, era aquilo que os dados evidenciavam naquela semana. António também nos explicou o que é o fenómeno do votante envergonhado. Aquela pessoa que vota num partido, mas tem vergonha de o assumir. Que diz uma coisa ao entrevistador… e faz outra na urna. Já aconteceu um par de vezes em Portugal e voltar a acontecer com qualquer partido que, num dado momento, esteja no centro da polémica ou do julgamento social. Mas será que as pessoas mentem mesmo? “Não mentem por maldade”, diz António Gomes. Muitas vezes, mentem a si próprias. Porque o tempo passou, porque se arrependem, porque querem parecer coerentes. Às vezes, quando lhes perguntamos como votaram há cinco anos, respondem com base no que gostariam de ter feito. Não no que fizeram. Este episódio é também uma lição de psicologia eleitoral. Falámos do uso das sondagens pelos partidos. Não somente para medir intenções de voto, mas para testar ideias, frases, cartazes. Há uma parte do que vemos nas campanhas que vem diretamente dos dados. Desde o tipo de fotografia que se escolhe para um cartaz gigante na rua, até à linguagem usada num debate. Não é manipulação, é estratégia — é afinação estratégica com base em evidência. E sim, falámos dos políticos. António contou como, muitas vezes, é preciso preparar os líderes para ouvir o que não querem ouvir. Como alguns usam a intuição (“sinto a rua”) para negar a realidade dos números. E como há um equilíbrio delicado entre respeitar essa intuição… e mostrar que a ciência também sente — de forma diferente, mas não menos certeira. “Eu não digo o que eu acho. Digo o que os eleitores disseram”, explica. Este episódio não é somente sobre sondagens. É sobre como pensamos, como escolhemos,
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    52 m
  • Como noticiar uma campanha eleitoral na televisão? Nuno Santos
    Apr 9 2025
    Até 18 de maio, e nas semanas seguintes, até tudo estabilizar, veremos a dança de vários tipos de comunicação: a política, a do ‘marketing’ e a institucional. Todas a rodar no palco mediático. Media que ora fazem o papel de observadores, ora de criadores de agendas públicas. É neste contexto que convido Nuno Santos, jornalista e diretor do canal de notícias mais visto da televisão por cabo, a CNN Portugal. Nuno Santos passou pela RTP, pela rádio pública, onde coincidimos, pela SIC e pela TVI. Ora no lado das notícias, ora no lado do entretenimento. Na dupla função de diretor de informação da TVI e do canal CNN Portugal, montar a gigantesca operação de cobertura eleitoral. Antes, durante e depois. Esta edição contém boas pistas de como se organizam os debates entre os candidatos ao lugar de Primeiro-ministro. Como se escolhem os temas, como se negoceiam as regras comuns. Quais os interesses dos jornalistas mas também dos candidatos. Os debates já começaram, as equipas de reportagem estão na rua e as caravanas políticas também. As mensagens já enchem as redes sociais. Estão aí as eleições. Mais uma vez, o país vai escolher um governo e, como sempre, a imprensa é chamada a cumprir o seu papel de relatar, explicar, analisar. Nada de novo, certo? Talvez não seja bem assim. Porque se há coisa que muda mais depressa do que as vontades do eleitorado, é a maneira como recebemos e consumimos informação. E é aqui que as coisas se complicam. Porque a verdade, aquela verdade sólida, bem fundamentada e confirmada, tem hoje uma concorrência feroz. As redes sociais tomaram de assalto o espaço público. Opiniões, factos mal digeridos, "soundbites", teorias da conspiração… está tudo ali, à distância de um gesto de dedos. O jornalista deixou de competir com o seu camarada da estação concorrente e passou a competir com o mundo inteiro. Gente que publica o que quer, quando quer, como quer. Sem editores, sem filtros, sem regras. Tantas vezes sem ética. Muitas outras de forma mal intencionada. E depois há outra coisa: o público que mais cresce nas redes, e que já olha com desconfiança para o jornalismo tradicional, é publico o mais jovem. Aqueles que preferem ouvir uma notícia no TikTok, em 20 segundos, do que assistir a um telejornal completo. São milhões que consomem informação em pedaços soltos, descontextualizada, sem critérios claros. O ‘sexy’, panfletário ou incendiário é escolha do algoritmo para servir constantemente. E o que fazem os jornalistas perante isto? Tentam adaptar-se. Tentam perceber como se faz jornalismo relevante e apelativo num mundo que está sempre a correr para a próxima coisa. E é aqui que entram projetos como a CNN Portugal. Os outros meios onde se faz informação a sério. Confiável, credível, escrutinada. A CNN Portugal nasceu com a promessa de trazer um jornalismo sério, factual, com um selo de qualidade que carrega décadas de história da marca-mãe, dos Estados Unidos. Mas será que isso é suficiente num país onde a informação já não é recebida, é disputada? Porque hoje não basta fazer bem. É preciso que alguém, do outro lado, queira ver e ouvir. A campanha eleitoral que agora começa vai ser um teste real a este modelo. Porque cobrir uma eleição em 2025 não é o mesmo que em 2015 ou em 2005. Agora, cada acontecimento é imediatamente esmiuçado, comentado, até distorcido, e partilhado por milhões de pessoas, muitas vezes antes mesmo de chegar aos canais oficiais. E então? Como se trabalha assim? Como se garante que o jornalismo de qualidade sobrevive e se faz ouvir num mundo onde a gritaria é mais audível do que a conversa sensata? Há outra questão que também se impõe: a da credibilidade. Porque, se o jornalismo perdeu a sua aura de autoridade intocável, isso não aconteceu por acaso. Os erros existiram e continuam a existir. Os enviesamentos, intencionais ou não, acontecem. E a verdade é que o público,
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    1 h
  • O que é a comida? Ricardo Dias Felner
    Apr 2 2025
    Sim, chef, pronto chef. A sair, chef Portugal é um país que come por prazer. Não tenho dúvidas. Às vezes temos mais olhos que barriga. Outras vezes não temos barriga para tanta gula. Ou temos demasiada gula para tão pouco dinheiro para gastar restaurantes mais estrelados que os ovos. Comemos e falamos do que comemos. Fazemos disso um ritual, uma celebração. E é fácil perceber por quê. Somos um país pequeno, com uma cozinha rica e variada, construída por séculos de encontros e desencontros com o mundo. Cada povo que nos invadiu, cada imigrante que chega ou emigrante que regressa traz um livro de receitas. E os misturamos tudo e reenviamos sabores. A comida, para os portugueses, é muito mais do que aquilo que se mete no prato. É aquilo que se conta à volta dele. Dizem que nós, portugueses, somos bons a queixar-nos. Digo que somos bastante bons a falar de comida. Porque não há prato que não mereça um comentário, um elogio ou um desabafo. Ao almoço falamos do que vamos comer ao jantar. E todos sabemos que os grandes problemas do mundo resolvem-se não numa reunião, mas à volta dos comes e bebes. Podemos estar na conversa mais séria do mundo — e de repente aparece alguém a dizer que descobriu um restaurante incrível numa aldeia perdida que faz o melhor cabrito de sempre. E toca a organizar uma expedição ao dito sítio. Ou que o arroz de polvo da mãe é impossível de bater Que a carne de porco à alentejana que comemos na festa de aniversário do amigo do amigo era má, péssima, incomestível. Mas já que lá estávamos, comemos, claro.. E quando não é o prato, é o preço. Ou como o serviram. Ou a espera, que foi longa demais. Ou o facto de, naquele restaurante, não aceitarem reservas e termos ficado 40 minutos à espera, para depois nos sentarem numa mesa junto à casa de banho. Ou na porta. Ou, pior, ofenderem.nos descaradamente dizendo: já não há lugar para si, Mas isto é Portugal. E com jeitinho tudo se desenrasca. Os portugueses falam de comida como falam do tempo ou do futebol. Porque a comida, para nós, é mais do que sabor. É identidade. É memória. É território. É desafio e tradição. Há quem ache que, neste país, o bom e barato acabou. Que agora se come bem, mas paga-se um balúrdio. Outros defendem que as tascas continuam a existir, contudo é preciso procurar melhor. O que é certo é que as referências mudaram. Há 30 anos, um bom restaurante era o que servia muito e barato. Depois passou a ser o que tinha um prato bem-feito, com sabor e sem grandes artifícios. Agora, é o que nos tira uma fotografia bonita para as redes sociais. Que nos serve um prato que queremos partilhar com o mundo, mas que vamos comentar com os amigos ao vivo, numa esplanada, enquanto pedimos um fino e uns tremoços. Porque, se há coisa que o português gosta, é de contrariar a moda. Dizer que já foi a esse restaurante de que todas as pessoas falam e não gostou. Que a nova estrela Michelin o deixou indiferente. Que o menu de degustação não vale nem metade do que cobram. “Comia melhor na minha aldeia por metade do preço”, é uma frase que já ouvimos todos, mais do que uma vez. E depois há as comparações. Porque o português gosta de medir. O melhor pastel de nata. A melhor bifana. O melhor arroz de pato. A melhor feijoada. A melhor chanfana. A melhor caldeirada. Discutimos comida como se discutem jogadores de futebol. “O melhor é o meu”, dizemos, com um orgulho que só quem gosta de comer compreende. Mas o mais interessante é que, mesmo quem não sabe cozinhar, sabe falar de comida. Sabe avaliar. Sabe criticar. E sabe dizer, com a certeza de um especialista, que o bacalhau estava seco, que o arroz de tomate precisava de mais caldo, que o polvo estava tenro, mas podia ter mais sabor. Talvez seja por isso que temos tantos chefs talentosos. Porque, desde sempre, fomos educados a ter opinião sobre o que está no prato. Seja o cozido à portuguesa da avó,
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    1 h y 4 m
  • E se a empatia fosse obrigatória? Rui Marques
    Mar 26 2025
    Susan Sontag escreveu no seu livro “A doença como metáfora” “A doença é o lado noturno da vida, uma cidadania mais onerosa. Todos que nascem têm dupla cidadania: no reino dos sãos e no reino dos doentes.” Quando Susan Sontag escreveu isto, em 1978, estava a falar de cancro. Mas podia estar a falar de solidão. De ressentimento. Daquela dor difusa de quem se sente por dentro fora de lugar. Porque a verdade é esta: há uma doença que não aparece nas radiografias, que não se vê ao microscópio, que não se trata como as outras. É a doença da falta de relação. E essa, está em todo o lado. Vivemos cercados de tecnologia, mas cada vez mais distantes. Nunca estivemos tão ligados — e nunca estivemos tão sós. A produtividade sobe, os gostos digitais disparam, mas o silêncio entre duas pessoas que vivem na mesma casa, escritório ou aldeia, vai crescendo. Chamamos-lhe esgotamento, chamamos-lhe ansiedade, chamamos-lhe stresse crónico — mas muitas vezes é só isto: défice relacional. Falta de cuidado. Falta de olhar. Rui Marques chamou-lhe saúde relacional. E dá-lhe corpo. E nome. E método. Não é uma metáfora. É literal. Há pessoas que adoecem porque não têm com quem falar. Há pessoas que saram porque alguém lhes sorriu no momento certo. E não é só uma intuição: é ciência. Um estudo de Harvard que há mais de 80 anos acompanha centenas de pessoas chegou à conclusão mais simples e mais desarmante de todas: o que mais contribui para uma vida feliz — e mais longa — é a qualidade das relações. Não o dinheiro. Não o estatuto social. São As relações. É fácil esquecer isto. Sobretudo num mundo que corre. Que empurra. Que valoriza o fazer mais do que o estar. Que trata as pessoas como recursos. Como números. Como peças. Mas a verdade volta sempre. E a verdade é esta: sem relação, não há saúde. As crises que vivemos — na educação, nas organizações, nas instituições públicas — são provavelmente e antes de tudo, crises relacionais. Não se resolvem somente com planos, orçamentos ou reformas estruturais. Resolvem-se na qualidade do vínculo entre as pessoas. No modo como se escutam. No modo como se respeitam. No modo como se reconhecem. Rui Marques fala de literacia relacional. Como quem diz: isto aprende-se. Treina-se. Trabalha-se. Há oficinas. Há modelos. Há maneiras de regenerar relações que foram danificadas. Porque o que nos adoece não é só o conflito — é o conflito não resolvido, mal digerido, ignorado. E isso, sim, tem impacto direto na saúde física, mental e social. Há relações que nos elevam. E há relações que nos esvaziam. E depois há o digital. Que entra na equação como uma espécie de perturbação crónica. Crianças que nunca treinaram o conflito real, que não subiram árvores nem discutiram cara a cara, e que agora são adolescentes ansiosos, hiperconectados e emocionalmente frágeis. Adultos que se refugiam a percorrer, com o dedo no écran, infinitivamente as últimas novas das redes sociais, para não ter de lidar com o desconforto do silêncio. Relações filtradas, encenadas, mediadas — mas raramente inteiras. A saúde relacional também passa por aqui: por reaprender o toque, o olhar, o tempo partilhado sem agenda. Por aceitar o silêncio sem o preencher com barulho. Por ter conversas difíceis sem medo do erro. Por construir confiança — esse oxigénio invisível que sustenta qualquer equipa, qualquer família, qualquer sociedade. E passa, claro, pelo cuidado. Cuidar não é uma palavra delicodoce. É uma palavra difícil. Cuidar exige tempo, exige atenção, exige compromisso. Não é um botão que se carrega — é um caminho que se percorre. E nesse caminho, todos falhamos. Todos tropeçamos. Todos erramos. Mas também todos temos a possibilidade de voltar. De pedir desculpa. De escutar melhor. De tentar outra vez. A saúde relacional é isto: não é sobre relações perfeitas. É sobre relações vivas. Com tensão, com conflito, com sombra — mas com vontade de permanecer.
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    52 m
  • O humor pode salvar-nos? Nuno Markl
    Mar 19 2025
    Hoje vamos falar da magia da rádio. Naquilo que posso definir como uma conversa entre duas pessoas analógicas, que usam palavras rebuscadas e até arcaicas, e nasceram profissionalmente na telefonia. É a rádio. Para os mais distraídos, modernos e digitais. Telefonia sem fios. E agora nesta versão moderna do seu nome podcast. O mundo está a apagar as palavras portuguesas bonitas e a enchermos de palavras vindas de outros lugares, menos interessantes. Convidei o Nuno Markl para se juntar à conversa. Trazendo na mochila os cromos da caderneta, na mochila ou na algibeira e conceitos tão lunáticos como os gravadores de fita. Afinal, o pretexto da conversa era a magia da rádio. Aviso: Esta conversa é anárquica, lunática, acelerada e autêntica. Nuno Markl é uma das vozes mais reconhecidas da rádio portuguesa, com uma carreira que atravessa diferentes meios de comunicação. O humorista e guionista é um dos rostos das “Manhãs da Comercial”, onde, diariamente, dá forma a conteúdos que combinam humor, nostalgia e observação do quotidiano. Criador de rubricas como a “Caderneta de Cromos”, tem sido uma referência no modo como recupera memórias culturais e as transforma em entretenimento acessível ao grande público. Além da rádio, Markl construiu um percurso sólido na televisão e no guionismo. Escreveu para programas de humor de grande impacto, como o “Herman Enciclopédia” e o “Último a Sair”, e mais recentemente tornou-se uma das figuras centrais do “Taskmaster Portugal”, na RTP. A sua capacidade de adaptação e reinvenção tem-lhe permitido manter uma presença relevante no espaço mediático, acompanhando a evolução das plataformas de comunicação e do consumo de conteúdos. O impacto da sua comunicação vai além do humor. Markl tem abordado temas como ansiedade e saúde mental, tornando-se uma voz influente na forma como essas questões são discutidas publicamente. A sua atividade nas redes sociais reflete essa dimensão mais pessoal, mas também ilustra os desafios da exposição pública num ambiente digital. A entrevista pretende explorar todas estas facetas da sua trajetória, abordando o seu percurso na rádio, o seu processo criativo, a relação com o público e os desafios do humor no contexto atual. LER A TRANSCRIÇÃO DO EPISÓDIO 0:12 Ora, vivam bem vindos ao pergunta simples, o vosso podcast sobre comunicação? Hoje vamos falar da magia e da rádio naquilo que posso definir como uma conversa entre 2 pessoas analógicas, que usam palavras rebuscadas e até arcaicas, e que nasceram profissionalmente na telefonia. 0:30 É a rádio para os mais distritos modernos e digitais, telefonia sem fios a rádio. E agora, nesta versão Moderna de seu nome podcast, o mundo está claramente a apagar palavras portuguesas bonitas e encher o dicionário de palavras vindas de outros lugares. 0:46 Algumas palavras menos interessantes. Convidei o Nuno markl para se juntar a esta conversa, trazendo na mochila os cromos da caderneta e falando, claro, de algibeiras e conceitos tão lunáticos, estranhos e pouco modernos. Como gravadores magnéticos de fita. 1:01 Afinal, o pretexto desta conversa é falar da magia da rádio. Mas fomos por aí fora. 1:18 Aviso, esta conversa é anárquica, lunática, acelerada e autêntica. O Nuno markl. Aceitou mostrar se numa conversa profunda, onde cruzamos o humor, a comunicação, a cultura pop e as vulnerabilidades que marcam o seu percurso pessoal e profissional, reflexões sobre o mundo atual, sobre a importância da linguagem e sobre o papel da rádio e da necessidade de manter um olhar crítico sobre as redes sociais ao longo de quase 1 hora de conversa que passa muito depressa. 1:45 Aviso desde já. O markl fala sobre o poder transformador da rádio, o meio onde se sente mais autêntico e livre da rádio, que diz que continua a ser o espaço por excelência para contar histórias, para criar imagens e estabelecer relações íntimas com quem ouve. A capacidade de falar diretamente ao ouvido de alguém, essa coisa mágica,
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    1 h y 1 m
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